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Mostrando postagens de abril, 2012

Conto da semana - Lucian Dan Teodorovici

O romeno Lucian Dan Teodorovici nos brinda com o conto da semana - Caça aos Gansos, em português. Foi o conto selecionado por Hemon para a edição de 2011 de sua antologia BEF . O narrador é uma criança que vive no interior da Romênia, onde romenos e ciganos vivem fisicamente próximos mas com temores mútuos. Um dos orgulhos do menino é o fato de o seu avô ser o único do vilarejo a não temer os ciganos - afinal, ele é o condutor de trem, próximo de sua aposentadoria, é verdade, mas a posição lhe confere um tremendo status diante de ambas as comunidades. Na história, sete gansos da família do garoto desaparecem, e há suspeitas de que o furto foi praticado pelos ciganos. O corajoso avô, então, vai até o acampamento - o menino, claro, vai junto, ainda que contra a vontade do avô. Lá, descobre que o avô tem vários amigos. Ele os deixava viajar de trem sem bilhete, por exemplo. Mas, apesar de tudo, fica evidente a tensão entre os dois grupos. O filho do "velho cigan

A Ponte Invisível, de Julie Orringer

A Ponte Invisível Julie Orringer Tradução: Rubens Figueiredo Companhia das Letras, 728 p. Um grande romance de estreia da americana Julie Orringer (1973), cujo primeiro capítulo, disponibilizado pela editora, pode ser lido aqui.  A autora se baseou na história de seu avô que, como o personagem principal Andras Lévi, era um jovem húngaro impedido de estudar arquitetura em seu país em razão de uma lei de 1920 que restringia o acesso dos judeus húngaros à universidade. Era a chamada lei numerus clausus , que estabelecia um limite rígido de vagas para os judeus. Ao que consta, parece ter sido a primeira lei antissemita europeia desde o final da Primeira Guerra. Andras vai então a Paris estudar arquitetura. Lá conhece Klara Morgenstern, que guarda um segredo de sua juventude (bom, demos um desconto; em 1937, quando se inicia o romance, ela tem trinta e dois anos, mas o fato ocorreu quando ela tinha cerca de quinze...). O irmão de Andras, Tibor, ironicamente é obrigado a

A Casa de Canetti

No nº 12 de Ulica Slavianska, em Ruse, que dese em linha reta até o porto, há ainda junto à sacada de ferro batido um grande monograma de pedra com um C; a casa de três andares era a firma do avô de Canetti; agora é uma loja de móveis. Já o bairro dos spanioli - que outrora em Ruse eram numerosos empreendedores e um pouco exclusivistas - ainda mostra as cadas baixas no meio do verde, geralmente de um só andar. Os judeus viviam bem na Bulgária; em seu livro sobre Eichmann, Hannah Arendt relembra como a população búlgara, quando os aliados nazistas obrigaram o governo de Sofia a impor o distintivo aos judeus, manifestava sua simpatia por quem o levava e procurava geralmente dificultar ou atenuar as medidas anti-semitas. No bairro existe ainda a casa da infância de Canetti; é o diretor dos museus da cidade, Stojan Jordanov, homem culto, afável e inteligente, quem nos leva a essa casa, na rua Gurko 13, endereço que Canetti, na sua autobiografia, evita cuidadosamente precisar. 

Enquanto isso...

A Hérnia não deixa Hamlet em paz...

Abdón Ubidia e o fabricante de verdades

O conto da semana vem do Equador: é R.M. Waagen, fabricante de verdades, de Abdón Ubidia (1944).   Integra a Antologia  Pan-Americana (organizada por Stéphane Chao). A Casa Waagen prestava relevantes serviços à sociedade. Quem não gostaria de recorrer aos seus préstimos? Por ajuda de um amigo, justo no momento em que mais desesperado estava, chegou aos ouvidos do senhor Kraus a notícia de certos serviços especiais que prestava a Casa Waagen, fabricante de verdades. A próspera e muito bem organizada empresa se ocupava de fornecer, à cada vez mais numerosa clientela, dados, provas, testemunhos, e quanto auxílio fosse necessário para estabelecer, ou melhor, restabelecer as verdades requeridas por ela. Um verdadeiro global player: atuou no escândalo Profumo, no caso JFK, Watergate, a morte de João Paulo I... até que resolveu, afinada com o espírito democrático de um banco, prestar serviços ao "varejo".  O senhor Kraus a procurou. Tinha matado o amante da mul

HHhH, de Laurent Binet, pela Companhia das Letras

Cumprindo a promessa de sempre divulgar o lançamento das edições brasileiras dos livros que comentei por aqui: A Companhia das Letras publica HHhH, de Laurent Binet  (leia trecho disponibilizado pela editora) . Para o post sobre o livro,  aqui.

Três vezes Millôr

Quando um chato diz: "Eu vou embora", que presença de espírito. Quem mata o tempo não é um assassino, mas sim um suicida. Inúmeros artistas contemporâneos não são artistas e, olhando bem, nem são contemporâneos. 

Conto da semana, de Naja Marie Aidt

Uma descrição quase idílica de um casal e seu filho de seis anos em viagem pelas colinas ao norte da Dinamarca subitamente se revela uma história sombria. Em Bulbjerg (algo como colina), essa transformação é mostrada por Naja Marie Aidt (abaixo, a leitura que faz de trechos do conto, em inglês sem legendas). A autora, dinamarquesa, nasceu na Groenlândia e atualmente vive em Nova York. O narrador é o marido. Está com sua esposa, Anne, e seu filho adotivo Sebastian – Seba.  Mas o que parece um momento bastante ordinário na vida do casal vai sendo desfeito pelo marido – que começa, subitamente, a falar de Tine, irmã de Anne e amante do cunhado. O que parece uma descrição própria de comercial de margarina começa, então, a adotar outro estilo, agora com detalhes sexuais – ele prefere a performance da cunhada... E essa mudança, em termos formais, de como a história nos é contada, é o ponto central da narrativa. No entanto, não deixa de ser carinhoso com Anne, ainda que não tenha m

Juan José Becerra e Toda a Verdade

Toda la Verdad Juan José Becerra Seix Barral 130 p. 2010 Há autores de países próximos que, por razões misteriosas, não são traduzidos e editados no Brasil. Cada um de nós tem uma lista deles; latinoamericanos, portugueses... Becerra (1965) já andou pelo blog com seu conto A Vida de uma Bala.  Neste romance, Antonio Miranda é um engenheiro de sucesso que, subitamente, sem uma razão bem definida, deixa tudo para trás - família, carreira, o apartamento na Avenida del Libertador, o escritório no Puerto Madero, relações sociais - e se dirige aos pampas. Para dizer a verdade é preciso vivê-las - é o seu mantra. Lá trava contato direto com a natureza, sem nenhum intermediário "civilizado".  Depois, de forma tão abrupta como foi ao pampa, volta a Buenos Aires; encontra Margarita Russo, sua antiga amante, agora casada. Em cinco minutos contou-lhe sua história de vida - "mais um tratado silvestre", que tanto a impressiona que ela acaba abandonando seu mari

Buenos Aires - Os Escolhidos

Buenos Aires - El Ateneo Grand Splendid (2)

Buenos Aires - El Ateneo Grand Splendid

Buenos Aires

Dia 5 a Biblioteca comemorou um ano de existência, em Buenos Aires. E em grande estilo: visitamos o Templo - El Ateneo Grand Splendid, na Avenida Santa Fe com Callao. Eu já conhecia a sede, na Florida, agora ofuscada por este portento que está em todas as listas das livrarias mais bonitas do mundo . Às sete e meia da noite, estava lotada, como todas as demais livrarias menores e as ruas. É algo que perdemos para sempre por estas paragens: optamos pelo modelo dos shoppings centers que esvaziam o comércio de rua - e a cidade como um todo, que se torna bem mais insegura. No final das contas, não admiramos cidades como Buenos Aires, Paris, Londres ou Nova York apenas pelas suas atrações especiais, mas sim pelo "kit básico": poder andar pelas ruas, praças e parques com prazer e tranquilidade, a qualquer hora do dia - dentro de um mínimo de bom senso, é claro - jantar em um restaurante de rua a dez quarteirões de distância e voltar caminhando com outras centenas de pessoas à

Caderno de economia com Mr. Taylor

O conto da semana é novamente de Augusto Monterroso e pode ser visto como uma aula de economia para países exportadores de commodities. No caso, cabeças reduzidas... Mr. Taylor é o Gringo Pobre, que vive na Amazônia com os índios. Um dia, um nativo lhe oferece uma cabeça humana. Envia o presente ao seu tio de Nova York e os dois iniciam grandes "exportações" de cabeças. Criam uma empresa para isso; conseguem das autoridades locais monopólios. Quando acabam as cabeças, os nativos invadem tribos inimigas para garantir o suprimento da matéria-prima. Mas é claro que isso não iria dar em boa coisa...