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Expurgo, de Sofi Oksanen

Expurgo
Sofi Oksanen
Record, 2012
Tradução: Julián Fuks
346 p.

Aliide ajeitou a cortina, aproveitando para abri-la. O jardim chuvoso ressentia seu tom cinzento, os troncos das bétulas agitavam-se encharcados, as folhas se deixavam alisar pela chuva, a grama alta oscilava, gotas caíam da ponta das folhas. E havia algo por baixo. Um vulto. Aliide se retraiu, abrigando-se atrás da cortina. Voltou a olhar para fora, desfez o laço da cortina para que não pudesse ser vista do jardim e prendeu a respiração. Seu olhar desviou das manchas de mosca no vidro e focou no gramado em frente à bétula que fora fendida por um raio. p. 11.

A finlandesa Sofi Oksanen (1977) lembra, fisicamente, Amy Winehouse. Este seu romace recebeu diversos prêmios literários na Europa; já havia sido editado na França, nos EUA, e no ano passado, no Brasil. Um belo romance para abrir o ano. O tema central é a ocupação soviética da Estônia ao longo do último século. Inicialmente, Aliide, uma velha e solitária senhora, encontra em seu jardim uma jovem misteriosa, Zara, aparentemente por acaso.

À medida em que o romance se desenvolve, ficamos sabendo que Zara, nascida em Vladivostok, está fugindo da máfia russa de prostituição. Como tantas jovens soviéticas e do leste europeu, buscou sucesso no ocidente, e terminou escravizada em Berlim. 

A autora se utiliza de capítulos curtos para nos contar a história da idosa Aliide e de Zara, na década de 90, e dos terríveis anos 30 a 50, vividos por Aliide. Mais adiante, descobriremos o que une Aliide a Zara - um passado terrível e um presente não menos pavoroso e violento.

A jovem Aliide queria se casar com Hans Pekk, que no entanto opta pela sua irmã, Ingel. Termina com Martin, um comunista "de carteirinha", mas que, por um mistério (revelado ao final) não progride na carreira - nunca é chamado à capital, Talin. 

Quando Hans, Ingel e Linda (a filha do casal) são condenados à deportação para a Sibéria, Aliide é posta à prova. Aqui está o segredo que atormenta Aliide, e que a assombrará pelo resto de sua vida. Não vale a pena adiantar o que ocorreu...


Um grande achado da escritora foi conseguir o ponto exato, sendo clara para quem não conhece a história da Estônia, e que ao mesmo tempo não recorre a expedientes didáticos que em determinadas situações (e através de determinadas mãos) tornam o texto enfadonho. Não há qualquer resquício de ensaio.

O texto foi escrito originalmente para o teatro, para depois ser "transformado" em romance. Em 2012 foi adaptado à ópera.

Photo: And definitely one of the highlights: the opera Purge having its premiere at the Finnish National Opera. Johanna Rusanen-Kartano and her unforgettable performance!

Oslon kansallisooppera muuten vaikuttui esityksestä sen verran, että tilasi säveltäjä Jüri Reinvereltä uuden oopperan, Peer Gyntin. Kantaesitys 2014. Rohkea veto Oslolta. Harva kansallinen instituutio tilaa ulkomaalaiselta taiteilijalta uuden version kansalliseepoksen asemaan kohonneesta stoorista.

E ganhou versão cinematográfica, que concorrerá ao Oscar de 2013. Aqui, o trailer. Com sorte, quem sabe aparece por essas bandas...


A autora, em entrevistas, tem pontuado que hoje, cerca de 20 anos após o fim do império soviético, ainda não se fez um necessário exorcismo do período. O exemplo que ela dá é o fato de Putin ser ex-agente da KGB (e ninguém aceitaria um alemão ex-agente da Gestapo na presidência).

Um livro que tem que ser lido; uma boa estreia para 2013.

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