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HHhH, de Laurent Binet



Há sempre uma explicação politicamente correta para alguma monstruosidade: o sujeito matou 300, mas foi abusado na infância, era pobre, rejeitado ou algo que o valha. Mas o mentor da Solução Final não se enquadra neste modelinho. Heydrich era de boa família, amado pelos pais, tinha amigos, dinheiro, cultura; era violinista, pianista e esgrimista – e resolveu entrar para a História como o carrasco de Praga.

HHhH – acrônimo de Himmlers Him heiBt Heydrich (o cérebro de Himmler chama-se Heydrich) -  é o título do primeiro romance de Laurent Binet, que com ele ganhou o Goncourt de estreante em 2010. Jozef Gabcik, eslovaco, e Jan Kubis, tcheco, são os paraquedistas encarregados de assassinar o alemão que, contudo, é o grande personagem do livro.

Falar que HHhH é um romance histórico não parece suficiente. Binet vai para uma zona cinzenta entre o ensaio e a ficção. São inúmeras as referências que faz ao longo das mais de 400 páginas – de Kenneth Branagh a Chaplin, de Robert Merle a Jiri Weil, de quem nunca ouvi falar, mas me interessei por um livro chamado Mendelsshon no Telhado...

Le roman tire son titre du premier chapitre qui se lit presque comme une histoire-drôle: des ouvriers tchèques sont sur le toit de l’Opéra, à Prague, pour déboulonner une statue de Mendelssohn, le compositeur, parce qu’il est juif. C’est Heydrich, épris de musique classique et récemment nommé protecteur de Bohême-Moravie, qui a donné l’ordre. Mais il ya a toute une rangée de statues et Heydrich n’a pas precise laquelle était Mendelssohn. Or, à part Heydrich, il semble que personne, même parmi les Allemands, ne soit capable de le reconnaître. Mais personne n’oserait déranger Heydrich pour ça. Le SS allemande qui supervise l’opération decide donc d’indiquer aux ouvriers tchèques la statue qui a le plus grand nez, puisq’on cherche un Juif. Mais catastrophe: c’est Wagner qu’on commence a déboulonner!

Em mais de 250 capítulos, quase sempre com no máximo três páginas cada, o romance é também um romance sobre a gênese e o desenvolvimento do próprio livro:

Je ne me souviens pas exactement quand mon père m’a parlépour la première fois de cette histoire, mais je le revois, dans ma chambre de HLM, prononcer les mots de “partisans”, “tchécoslovaques”, peut-être “attentat”, très certainement “liquider”, et puis cette date: “1942”. J’avais trouvé dans as bibliothèque une Histoire de la Gestapo, écrite par Jacques Delarue, et commencé à em lire quelques pages. Mon père, me voyant ce livre à la main, m’avait fait quelques commentaires en passant: il avait mentionné Himmler, le chef de la SS, et puis son bras droit, Heydrich, protecteur de la Bohême-Moravie. Et il m’avait parlé d’um commando tchècoslovaque envoyé par Londres, et de cet attentat. Il n’en connaissait pas les détails (et je n’avais de toute façon guère de raisons de lui en demander, à l’époque, cet événement historique n’ayant pas encore pris la place qu’il a maintenant dans mon imaginaire) mais j’avais senti chez lui cette légère excitation qui le caractérise lorsqu’il raconte (en general pour la centième fois, car, déformation profissionnelle ou bien simple tendance naturelle, il aime à se repeter) quelque chose qu’il a frappé d’une façon ou d’une autre, Je ne crois pas que lui-même ait jamais eu conscience de l’importance qu’il accordait à cette anedocte car lorsque je lui a parlé, récemment, de mon intention de faire un livre sur le sujet, je n’ai senti chez lui qu’une curiosité polie, sans trace d’émotion particulière. Mais je sais que cette historie l’a toujours fasciné, quand bien même elle n’a pas produit sur lui une impression aussi forte que sur moi. C’est aussi pour lui rendre cela que j’entreprends ce livre: les fruits de quelques mots dispenses à um adolescent par ce père qui, à l’époque, n’était pas encore prof d’historie mais qui, em quelques phrases mal tournées, savait bien la reconter. L’Historie.

Temos então ao mesmo tempo a narrativa da Operação Antropóide – a decisão pela operação, a escolha dos dois agentes, sua recepção em Praga pela resistência local e o assassinato de Heydrich - e outra, sobre a elaboração do romance, e sabemos, por exemplo, que o editor preferiu o título impronunciável àquele preferido pelo autor (“muito ficção científica”, alegou).

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